segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Zé Ramalho...O Apocalipse...E um sonho que eu tive. Força Verde!

1982, dezenove anos depois do nascimento, e eu dançava tendo como trilha sonora o desespero de uma poesia sem luar. Espinho de mandacarú espetado no coração. Escevendo poemas sobre amigos antigos e mortos na frente do bar. E a música de um Paraibano beato e visionário ecoando na alma. Três discos repletos de mensagens apocalipticas e gritadas por esta voz saída da trombeta do quarto anjo no quarto canto da terra no último dia do juízo, jaziam em minha bagagem atravessada nas costas. E chegou ele...o quarto capítulo, chamado de Força Verde. Não foi fácil entender a mensagem. Recém saído da terceira lâmina, ainda cavalgando com os cavalos do cão, tive que ouvir duas vezes seguidas antes de assimilar as "algas de mercúrio". Mas vamos do começo.

 Um piano quase em prelúdio, por isto estranhei. Não identifiquei o sertão que eu estava acostumado a ouvir em suas obras logo de cara. Mas a primeira frase apresentou a Força verde, como uma pequena chuva que cresce e se transforma em temporal. Sei lá se era o Hulk ou não. Que seja. Para mim, era a raiva, a frustação dos dezenove anos lutando contra a pobreza e a incerteza sobre como seria os vinte. A única certeza era a luta pela frente. Pouca chance de vencer, muitas maneiras de morrer..."E voce deseja saber se há algo que possa acalmá-lo outra vez.." A voz de Fagner já havia avisado sobre as "Eternas ondas", mas é neste disco que está a versão definitiva. O arranjo etéreo, um órgão permeando a harmonia eternamente cercando a voz quase distorcida por um efeito metálico. Pois é..."Se teu amigo vento não te procurar..."
E quem nunca desejou subir o Monte Olímpia...e ter Hércules e Aquiles como irmãos? Pois é, Minerva agora é minha mãe. Quem mais, seria tão certeiramente louco quanto minha própria loucura em meus dezenove ciclos de desespero abissal? Neste ponto devo fazer uma pausa para dizer que vivi este disco. Só quem está triste sabe ouvir "Visões de Zé Limeira sobre o final do século XX". Uma melancolia calma, de um ancião sentado sobre um monte observando as águas invadirem a terra lá embaixo, livrando o mundo da presença dos homens..os "seres brancos e azuis".  Banquete de Signos....o zabumba e a sanfona trazem o sertão. Trazem alguma cidade pequena onde o mato cheira a saudade..."na peleja do homem que vier..." faz doer de medo por talvez não ter sido este homem. Mas a vida é assim.
Um brejo, um rio, um parente antigo dando a mão ajudando a atravessar. Um mugido constante está no baixo de "Pepitas de fogo". Esta música me leva direto à um lugar secreto em meu coração, onde moram meus ancestrais, o "povo que nunca voa, que nasce com qualquer estrela, que nada em qualquer lagoa..". E neste lugar, há um brejo onde se pesca, enquanto bois pastam simplesmente. E cá estou eu, olhando em um espelho que aponta para o passado. Mas este disco para mim podia ser apenas esta música chamada "Beira-mar capítulo dois". O arranjo etéreo e eterno. Obra prima. Toda a imaginação ferida pelo conflito de pensamentos, mitos, lendas e certezas "aonde a ordem supera as humanas". Mas quem pode com o mar?..."Somente Netuno, que é mestre do mar...". Obrigado mestre-beato  Zé, por nos lembrar de nossa pequenez diante da natureza. E vemos tsunamis, vendavais, tufões...sempre a eterna água...e não aprendemos. O mar nunca adormece como voce nos diz. 
"E nas paredes da pedra encantada, os segredos talhados por Sumé...". Este é o mote, e este tipo de poesia nordestina é sempre assim,os versos  terminam com o mote... Rica, a  nossa poesia nordestina. Então de novo me vejo aos dezenove..."És a fonte maior do meu desejo, És a única fortaleza mansa..."."Amálgama" , a penúltima mensagem nesta viagem. E um violão em feitio de regional. Os bordões fortes, marcando como se tocados por velhos violeiros em alguma varanda sob a luz de candeeiros. Mesmo assim, os "Cristais do tempo" nos falam do "clarão das capitais". E assim, ao fim do disco, ao fim do sonho, o fim do sono. Até o próximo anoitecer, trazendo o próximo delírio.


 


6 comentários:

  1. Bravo!!! Bravissimo!!! Sr. Gramophone Man, acabo de te conhecer e ja tenho uma admiracao sem tamanho.

    Ja ouvi centenas de vezes esse disco e sempre sinto um algo aki, algo ali, mas, exceto a lembranca de que somos tao pequenos diante da grandeza do mundo demonstrada em Beira Mar Capitulo II e que realmente essa musica vale o disco, quica toda a existencia do Mestre Ze Ramalho, eu nunca li uma descricao tao precisa sobre a impressao que uma obra prima dessa grandiosidade pesa sobre a alma humana...

    Bravo, bravissimo!!!

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  2. Meus humildes agradecimentos pelo caloroso comentário garoto. É muito bom saber que não estamos sós neste vasto universo, e que existem almas que sentem parecido com a nossa.
    Abraços e continue visitando o blog, pois estarei sempre expondo meus sentimentos musicais.

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  3. Comprei esse LP em 1982, ano em que estava no exército. Lembro que tinha um encarte de uma mão segurando uma folha parecida com a folha da canabis...imediatamente transformei essa imagem do encarte em camisetas e distribui para outros soldados... foi uma loucura. Pois todos os 216 soldados da minha corporação, começaram a ouvir e a curtir apartir dalí o profeta do sertão. Aquilo tudo foi maravilhoso pois eu tinha apenas 18 anos e estava divulgando e conhecendo esse enigma chamado Zé Ramalho. Cuja carreira eu já acompanhava desde 1979 quando ganhei seu primeiro disco. Na minha opinião esse é um dos melhores trabalhos de Zé Ramalho conforme SORTILÉGIU comenta e narra.

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  4. Anônimo, fico feliz por voce compartilhar comigo a admiraçao pelo trabalho de Zé Ramalho, particularmente este disco, que se não o melhor ( eu considero empatado com os tres primeiros ) é sem dúvida o mais complexo em sua concepção.

    Abraços e obrigado por comentar.

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  5. Descobri agora este blog tão interessante.
    E voce disse tudo do Zé Ramalho, o grande cantor e compositor. E principalmente, a sua música maravilhosa.

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    1. Obrigado pelas palavras. É bom compartilhar o prazer de apreciar a música deste beato alucinado. Em breve escreverei mais por aqui. Abraços.

      "...e um ninho de cometas. Onde num deles há vida?"
      De voce sabe quem. hehehe.

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